Research Interests:

Financial Analysis; Ratio validity;
Ratio use; Data Mining; Business Intelligence;
Credit Risk; Capital requirements under Basel Accords;
Knowledge Extraction; Neural Networks.

...visit my home page at http://home.iscte-iul.pt/~dmt/

sábado, 24 de março de 2012

Será qua avaliação do desempenho funciona?

O governo insiste na avaliação dos funcionários públicos. Mas quer que as chefias fiquem de fora e dá-lhes cinco anos de impunidade. Tudo ao contrário do que devia ser.
O Estado é de todos e não pode andar a escolher. Uma escola não escolhe só alunos inteligentes; um hospital não escolhe só doentes fáceis. Perante o dever de atender a todos, deixa de fazer sentido exigir níveis pré-determinados de eficiência. As crianças de um bairro degradado são difíceis mas têm os mesmos direitos que as outras; e se os médicos forem aperreados (como de facto estão a ser) para verem mais doentes, irão acontecer coisas tristes aos doentes difíceis, aos que justamente precisam de atenção.
Qualquer avaliação mostra desconfiança e leva à duplicidade. Por que razão há-de um professor dar o seu melhor quando andam constantemente a vigia-lo e a medi-lo? Além disso leva a que as pessoas se alheiem do que é importante e façam só o que dá pontos.
O que brilha substitui o ouro. Os médicos passam a preencher formulários e despacham tarefas que contem pouco. Os professores tiram cursos, vão a congressos, fazem tudo o que pontua; mas descuidam os alunos difíceis que dão trabalho sem pontos.
Excepto em tarefas simples e mecânicas, qualquer estímulo ou sanção que se introduza irá afectar a rectidão do colaborador, o qual passa a pautar a sua actuação por critérios alheios aos fins a atingir. E é impossível alinhar estímulos (ou sanções) com objectivos: pôr um preço ao que não tem preço desvaloriza sempre. Nada substitui a confiança, nada compra a abnegação. E sem ambas, a maioria das organizações do Estado é como se não existisse.
Então, será que o Estado está condenado à ineficiência? Não necessariamente. O dever de atender todos leva a que um funcionário consiga encobrir a preguiça ou à venalidade. Tais vícios são o reverso da medalha da confiança e não se pode erradicar uns sem destruir também a outra. Mas vale a pena recordar duas verdades. A primeira é que não há maus subordinados, o que há são maus dirigentes. A segunda é que sempre existirão abusos mas quando combatidos eles diminuem.
Os dois remédios contra a ineficiência na Função Pública são: responsabilizar as chefias e punir os abusos. Um serviço funciona mal? Há queixas fundamentadas e persistentes? Os objectivos não estão a ser cumpridos? Escolha-se outra chefia. Em vez de andar pelos corredores a aterrorizar funcionários, substituam-se os dirigentes. E não se deixam passar abusos.
Chama-se a isto pedir responsabilidades. As responsabilidades pedem-se a quem as tem. Não só aos subordinados: a todos. De resto, o problema do nosso funcionalismo é um problema de chefias: da sua falta de liderança e do seu mau exemplo. São elas quem fomenta o nepotismo ou a partidarização de funções e fazem-no porque gozam de impunidade. Agora o governo vem desresponsabilizar ainda mais as chefias e dar-lhes um longo período de impunidade… renovável. Tudo ao contrário.

A desvalorização da Licenciatura

Com o Processo de Bolonha, a universidade devia ter-se virado para o emprego e não o fez. Mas fez outra coisa: desvalorizou a licenciatura. Se antes bastava ao jovem ser licenciado para ter acesso ao mercado de trabalho, agora já não basta. São precisos mais dois anos de canseiras e, é claro, mais quatro ou cinco mil Euros. Em suma, agora é preciso ter um Mestrado.
A desvalorização da licenciatura é, em boa medida, intencional. Algumas Universidades de Lisboa e do Porto sentiram que a duração das licenciaturas, ao passar de 4 para 3 anos, punha em risco o emprego de professores e diminuía a fatia das propinas. Assim, tomaram medidas para reter os finalistas, levando-os a frequentar pós-graduações e mestrados. A mais eficaz dessas medidas foi ensinar na licenciatura apenas conteúdos teóricos que não chegam para o mercado de trabalho.
É certo que sempre existiram licenciaturas teóricas e quem as escolhe não é enganado: encontra teoria. Mas adulterar licenciaturas aplicadas, como Gestão ou as Engenharias, ensinando nelas quase só teoria, isso é um embuste.
Chamam às licenciaturas agora inventadas, as tais que deviam ser aplicadas mas não são, “licenciaturas de banda larga”. A “banda larga” é a confissão de que o Processo de Bolonha morreu. Mas claro, em Lisboa e no Porto a procura é grande e há sempre uma fila de candidatos, vindos de todo o país, dispostos a pagar por mais este sonho.
No Algarve, a tentação de imitar Lisboa é sempre grande. Só que aqui não é garantido que haja uma fila de candidatos dispostos a pagar para ficarem quase na mesma; daí talvez a relutância em mudar para a “banda larga”. Ainda bem. Porque se neste país alguma vez voltar a existir um mercado de trabalho, uma economia em crescimento, então muitos jovens irão descobrir que os seus estudos em universidades caras de Lisboa e do Porto foram afinal um engano: o preço que pagaram para adiar o desespero.
E essas instituições que intencionalmente desvalorizaram a licenciatura, irão aparecer aos olhos de todos como parasitas que prosperaram à custa do gritante desemprego dos mais novos.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Um diagnóstico: ideias claras sobre a raiz dos nossos males

Portugal vive sob um regime plutocrático. Sempre foi assim mas ultimamente tem piorado. Os partidos são máquinas de promoção de interesses pessoais e de grupos económicos. Os seus membros são uma "numenclatura" com ligações estreitíssimas a esses grandes grupos. Como consequência dessa promiscuidade entre o Estado e o poder económico, a nossa economia é "corporatista" ou "rigged" (combinadinha): vive de monopólios, concessões, exclusivos e oligopólios que se mantêm sem a mínima justificação.

Somos dez milhões de reféns da Galp, da EDP, da PT, dos bancos e seguradoras, da Brisa, Mota-Engil, Trans-Tejo e outros favorecidos, sem esquecer a água, o gás e outras concessões mais recentes. Passamos uma vida a trabalhar para essa gente tenha lucros sem risco e sem regulação. E cada uma dessas concessões é o sinal visível de uma troca de favores entre o Estado (partidos) e o Capital.

Ora isto não é assim em mais nenhum país desenvolvido. Hoje, este tipo de regimes só se encontra no terceiro mundo. Está mais do que provado que o "corporatismo" leva à degradação de qualquer economia e a grandes desigualdades sociais pois ataca aquilo que uma economia tem de mais vital: a sua competitividade, o espírito de iniciativa, a imaginação criadora das pessoas.

O "corporatismo", as concessões, os monopólios e a correspondente promiscuidade regional e local, fazem com que a população inteira se transforme em "funcionários públicos", isto é, faz com que as pessoas se instalem e adquiram uma mentalidade negativa em relação à responsabilidade, à iniciativa, à superação pessoal.

É impossível esperar o melhor de pessoas que sabem ser tudo um jogo de interesses e a quem a experiência ensinou que o mérito não é valorizado. O efeito do "corporatismo" é exactamente o mesmo que se observava em regimes como o soviético (também sob o domínio de uma "numenclatura"), onde as luzes de um bar de hotel eram apagadas às 11 em ponto, quer estivessem lá clientes quer não.

A raiz da nossa pouca produtividade e da aparente inércia, é pois o facto dos Portugueses não serem tolos. Adaptam-se simplesmente a um ambiente onde esforçar-se não compensa. Em ambientes onde a competência e o esforço contam, os Portugueses mostram logo uma atitude diferente, com grande responsabilidade e iniciativa.

No estrangeiro, uma pessoa com ambições confia no seu engenho e nas suas qualidades para triunfar. E essas qualidades são, em geral, reconhecidas e valorizadas. Em Portugal, uma pessoa com ambições sabe que só tem um caminho para triunfar: virar-se para os partidos. Os partidos são as agências de emprego; dão direito, primeiro a ingressar nos quadros superiores do Estado; e depois, em reconhecimento por serviços prestados como quadros superiores do Estado, a postos em empresas.

Mas o "corporatismo" tem manifestações ainda piores: o Estado aliena aquilo que nunca deveria ter alienado, os chamados monopólios naturais ou "de facto", como as redes de agua e esgotos, as infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias, as redes eléctricas ou de tele-comunicações e mesmo instituições ligadas ao bem público como hospitais - e cria "empresas" que, como negócios, são totalmente fictícias; mas onde os partidos colocam os seus quadros... com licença para enriquecerem à nossa custa.

Ou muito, muito pior, o Estado inventa obras públicas e outras actividades de duvidoso interesse, nas quais assume compromissos económicos enormes, em "parceria" com privados, mas sempre de tal modo que os riscos ficam do lado do Estado e os lucros sempre do lado dos privados.

Vale tudo. É realmente um roubo e uma vergonha que já não se encontra em mais parte nenhuma do mundo desenvolvido. E é assim que Portugal funciona sob a égide dos partidos.

Ao nível regional, os quadros do PS e o PSD portam-se como pequenos régulos. Em geral, são gente ligada a negócios locais e que aproveita para enriquecer ainda mais. No assalto aos empregos públicos, reproduz-se em ponto pequeno o que acontece em Lisboa: hospitais, Segurança Social, Secretarias regionais, até escolas… tudo serve de trampolim para filiados nos partidos. A competência deixou de interessar.

Os quadros regionais dos partidos não passam de lacaios ao serviço de Lisboa. Veja-se a forma tíbia e ineficiente, realmente cobarde, como se "opuseram" às portagens na Via do Infante. Não é deles que podemos esperar que defendam o Algarve, que nos defendam a nós da voracidade das empresas protegidas pelo Estado e pelos respectivos partidos. Aliás, são sempre as mesmas caras, sempre a mesma pomposidade balofa, sempre as mesmas trocas de favores, o mesmo nepotismo. Eles são a nossa vergonha... e em Lisboa, ainda por cima, riem-se do seu aspecto irremediavelmente pacóvio.

Posto isto, se deveras desejamos ajudar o nosso país, impõe-se lutarmos contra esta plutocracia, tanto a nacional como a regional. Lutar contra esta promiscuidade entre o Estado / autarquias e os partidos e entre os partidos e o poder económico. Vivemos hoje uma oportunidade única para levar os eleitores a deslocarem-se para a periferia do espectro político e assim colocarem em cheque os dois partidos que são o sustentáculo dessa plutocracia. Nunca como antes o PS e o PSD apareceram aos olhos de todos como dois sintomas de uma mesma doença. É até possível que tenham que vir a governar juntos e que juntos tenham que arcar com as decisões mais odiosas desta época difícil.

segunda-feira, 14 de março de 2011

O Pagador - Utilizador

O Algarve vai em breve tornar-se uma espécie de margem Sul do Tejo: quem vive na margem Sul, paga mais do que era devido para ter direito a ir a Lisboa todos os dias trabalhar. E com esse imposto, está a encher os cofres de empresas favorecidas pelo estado: a Lusoponte, a Transtejo e outras. São milhares de pessoas que assim vivem reféns de interesses privados. Pagam um extra para que alguns se encham de dinheiro. Dinheiro fácil, lucros sem risco nem regulação.
E agora no Algarve, o governo de Lisboa vai aplicar a mesma fórmula: transforma a nossa via rápida numa máquina de dinheiro para a Brisa, Mota-Engil ou outra dessas empresas favorecidas pelo Estado. Dinheiro fácil, lucros sem risco nem regulação. São mais uns quinhentos mil reféns de interesses privados.
Não se esperem grandes reacções nem protestos por parte dos nossos políticos locais. Eles compreendem a situação. Eles fazem parte da situação. Faro sempre foi uma Lisboa em miniatura. A burocracia estatal de Faro é uma réplica em ponto pequeno da de Lisboa. Existem secretários regionais disto e daquilo, directores da CCR, do Turismo, da Segurança Social, do Governo Civil e vários outros. Faro portanto está cheio de gente que sobe na vida como se sobe em Lisboa: primeiro, uma filiação partidária abre as portas a cargos públicos; depois, o cruzamento desses cargos públicos com interesses privados abre as portas ao poder e à riqueza. A diferença é apenas de escala: enquanto Lisboa faz secretários de estado e a seguir banqueiros ou administradores de empresas, Faro faz pequenos “tachos” e estes, bem usados, criam casas na praia e outras pequenas sinecuras.
O uso da burocracia estatal pelos partidos não se limita a criar carreiras. Também cria falsos princípios, pomposos e bem sonantes, para dar um arremedo de respeitabilidade onde ela esteja a fazer falta. Foi dessa forma que nasceu o princípio do utilizador – pagador, que é falso porque foi escrito ao contrário.
O verdadeiro princípio é o do pagador – utilizador: a estrada é um bem público, nós já pagamos impostos para manter a estrada, logo não temos nada que pagar uma segunda vez para usa-la. O princípio do pagador – utilizador sempre tem sido, desde o tempo da Magna Carta, o grito dos que lutam pelos seus direitos. Em nome dele, opomo-nos à Mota-Engil ou à Brisa, que vêm para o Algarve colher onde não semearam; e opomo-nos aos velhos régulos de Faro, que primeiro põem uma casa em cima da duna e a seguir põem os seus conterrâneos para fora da duna.
A conclusão a tirar destas linhas é simples: por ser a réplica dos vícios e das espertezas de Lisboa, por ter origem semelhante, o nosso meio político nunca lutará contra Lisboa. Nunca participará a sério, a doer, num movimento de contestação às portagens, às demolições ou a outras imposições. Quem aposta na sua liderança engana-se. E assim, pergunto, quem lutará pelo Algarve? Quem, na altura decisiva que se aproxima, dará a cara por nós?

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Liberdade, Igualdade e Fraternidade sempre

A implantação da República ficou ligada aos nobres ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Eles eram então vistos como pilares da cidadania, capazes de trazer paz social e justiça a todos os povos. Hoje, qual é o papel dos ideais republicanos na vida das nossas instituições? Ainda acreditamos no seu vigor e actualidade?

A importância dada à liberdade parece não ter sofrido os efeitos do tempo. Ela é terra fecunda, capaz de dar toda a espécie de frutos, uns melhores, outros piores. Se alguma coisa este século nos ensinou é que a liberdade é promessa de tudo mas não é garantia de nada – além da dignidade humana. Sem liberdade não há gesto que seja humano à face da terra; mas é também dela que nascem grandes mentiras, capazes de enlear gerações inteiras.

Já a igualdade não mereceu igual sorte. Ela é o fruto mais raro, o mais apetecido mas quase inacessível. Pode dizer-se que a história dos últimos séculos se resumiu à procura de maior igualdade em liberdade. Tantos têm sido os fracassos, que alguns desistiram de a procurar na liberdade e tentaram outros terrenos.

O centenário da implantação da República é a altura para encorajar os que se sentem tentados e virar costas à liberdade em nome da igualdade ou aqueles que, em nome da liberdade, deixaram de acreditar na igualdade. É altura de lembrar que sim, pode-se caminhar para uma maior igualdade em liberdade.

Talvez que o erro tenha sido pedir demais, demasiado cedo. A igualdade em liberdade não é o resultado de nenhum processo ou receita. É mais como um fruto: algo que se colhe a seu tempo, nem antes nem depois, e que só aparece quando o cultivo foi paciente, com boas condições de clima e de solo. Existem países, como o Japão ou os do Norte da Europa, onde este cultivo foi levado muito a sério e deu frutos: têm igualdade perante a Lei como nós, mas gozam de uma igualdade de oportunidades mais real do que a nossa. E estão a conseguir o mais importante, o mais decisivo: reduzir as diferenças de rendimento entre as pessoas. O resultado é paz social, menos doenças, menos suicídios, menos crime, menos desemprego e maior eficiência no uso do dinheiro público. Países como os Estados Unidos ou o Reino Unido, que se ficaram pelas igualdades básicas julgando que isso bastava, viram crescer a desigualdade de rendimento e com ela os males associados: desemprego, criminalidade, doenças, ineficiência do dinheiro público.

Quem cultiva acaba por ter frutos. Os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade são para os nossos dias. Não são mitos. Precisamos de voltar a acreditar neles, em todos os três. E precisamos de um novo entusiasmo em leva-los à prática.

Crise económica e ciência económica

A crise, que começou por ser um longínquo pânico entre banqueiros apanhados nas suas próprias malhas, desceu à terra onde destruiu milhões de empregos; e está a atingir o dia a dia de todos, mesmo daqueles que até hoje tiveram a sorte de manterem o sustento. Tinha de ser assim? Respondem-nos que houve egoísmo, desprezo pelo risco, ganância. O que não nos dizem é que esse egoísmo e essa ganância resultaram da aplicação de velhos mitos, errados e perigosos, mas que muitos economistas continuam a propalar.

Um desses mitos diz que se cada pessoa só olhar aos seus interesses, o resultado é riqueza para todos. Outro diz que é impossível contrariar os preços do mercado: o que o mercado ditar, não se discute. A ciência económica tem sido uma base conceptual para o egoísmo e para a ganância sem freios. Muitos já o disseram e vão continuar a dize-lo sem que os economistas prestem atenção. E nem a crise actual os fez reflectir sobre os caminhos tortuosos por onde nos conduzem.

Foi Paul Samuelson quem, há uns 60 anos, criou as ferramentas analíticas hoje usadas pelos economistas. Essas ferramentas, por sua vez, deram uma falsa respeitabilidade matemática aos tais velhos mitos. Foi também Samuelson quem escavou o fosso que hoje separa a Economia das restantes Ciências Sociais. Num dos lados desse fosso, o homem é visto como uma abstracção matemática: um indivíduo racional e frio, apenas preocupado em maximizar a sua riqueza. No outro, ele é estudado como um todo complexo, capaz de paixões ou de actos reflectidos, de egoísmo ou de generosidade. Capaz até mesmo de indiferença perante as riquezas.

É esse fosso, é o facto de nenhuma das partes aceitar as ferramentas e os métodos da outra, que está na origem da crise económica actual. Veja-se a noção de risco dos mercados, onde os economistas se limitam a descrever o que se pode pôr em equação: o risco médio, o retorno médio. Ora o risco que realmente importa não é uma média. É aquele que hoje sentimos na pele: o risco do descalabro repentino. Mas desse a ciência económica tem pouco a dizer porque a confiança ou o pânico dos investidores não cabem em equações. E como não cabem, fez-se de conta que não existem.

A elegância analítica dos raciocínios matemáticos, quando usada sozinha, deixa de fora a realidade. Apesar de tantos economistas, desde os tempos de Herbert Simon até hoje, reconhecerem esse facto, os mercados continuam a ser governados por equações: tudo o que a matemática permitir está autorizado.

Devia ser ao contrário. Devia proibir-se, nos mercados, tudo o que não fosse expressamente autorizado. As bombas atómicas também são governadas por equações. Mas ninguém se lembra de as deixar entregues a si mesmas, como se deixam hoje os mercados. E os físicos, ao menos, sabem explicar porque razão uma bomba explode.

Vem aí a concentração universitária

O mérito e interesse da Universidade do Algarve não está em ser muito boa numa especialidade qualquer. Está em servir a região, abrindo a muitos a possibilidade de estudarem, de enveredarem pelos estudos superiores. Os cursos que mais têm feito pelo Algarve são aqueles com procura, quer por parte de estudantes quer de empregadores (empresas). Esses sim, são cursos que transformam o Algarve.

A valia de uma instituição está no serviço real que presta à comunidade, não em vistosos galões que não servem senão uns poucos. A Universidade do Algarve transformou a nossa região; mas se passar a ser exclusiva de uns poucos de cientistas, então deixa de ser útil.

Um economista, professor em Lisboa, escreveu no “Jornal de Negócios” a pedir a concentração universitária. Ele quer que as universidades regionais como a nossa se limitem a cultivar especialidades para as quais estejam vocacionadas. No Algarve, Turismo. Os alunos interessados em outros cursos iam para Lisboa ou para o Porto. A ideia está a ganhar adeptos e o artigo foi já reproduzido num diário de grande difusão.

O economista explica que afastar os jovens do lar é bom para o seu desenvolvimento e acrescenta que nos grandes centros aprende-se melhor. A concentração de alunos traria economias de escala pois a ineficiência do ensino superior vem, segundo ele, de turmas com poucos alunos. E termina revelando que os governantes querem esta concentração mas têm timidez em actuar.

Parece tão fácil! Mandam-se os jovens para longe. E quem paga o alojamento, a alimentação? Dei aulas a centenas de alunos daqui. Posso garantir que, se a universidade do Algarve fosse reduzida a Turismo, bastantes desses jovens ficavam sem licenciatura pois a família não tinha posses para os manter fora do lar e, por outro lado, de turismo já andam eles fartos.

Há gente tão instalada que perdeu a sensibilidade para os outros, para as dificuldades dos outros. Mandar os jovens para fora é bom; mas é para quem pode. O autor do artigo dirige-se à burguesia que lê o “Jornal de Negócios”, não a nós. Mas como tal burguesia raramente manda os filhos para universidades regionais, vê-se que o recado é para outros: o governo, deputados, opinião pública. Ele quer, como diz, sacudir-lhes a timidez ou, para ser mais preciso, quer fornecer-lhes pretextos económicos para mais um atropelo contra as regiões.

A mania actual de concentrar recursos em Lisboa lembra a revolução industrial, quando milhões de infelizes eram trazidos para os centros urbanos. Também aí o pretexto era obter economias de escala; mas hoje sabe-se que foi um erro e custou caro. Não aprendemos?

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Morreu Samuelson, o homem que desfgurou a Economia

.
A Economia conheceu dois períodos: antes e depois de Samuelson. Antes, era uma ciência virada para a compreensão da realidade, para a aplicação de modelos que reflectissem essa realidade e que ajudassem as pessoas. Antes, a Economia partilhava com outras ciências princípios e metodologias comuns.
.
Depois de Samuelson, a Economia tornou-se numa espécie de escolástica, um bonito edifício conceptual que subsiste por si mesmo e não precisa da conformidade com o real. Isolou-se das restantes ciências sociais ao ponto de aceitar e aplicar princípios que estão em aberta contradição com essas outras ciências (e com a realidade). E a tal ponto foi esse negar da realidade, que os modernos economistas criaram e vivem num mundo só deles que, quando confrontado com factos pode levar a todo o tipo de contradições e mesmo catástrofes.
.
Tudo isto, Samuelson conseguiu introduzindo e aplicando um conjunto de postulados rígidos e apelativos, capazes de desenvolvimentos analíticos elegantes e simples (de que ele deu fartos exemplos), mas muito traiçoeiros na aplicação prática.
.
Graças a Samuelson, hoje a ciência económica está numa fase semelhante à da Física e Química da segunda metade do século XIX: cheia de certezas mas também cheia de rotundos fracassos. Um estudioso de Economia de hoje é tão pedante a vazio como o foram os físicos e químicos dessa época: julga que tem na mão a chave do saber, olha para a realidade com desprezo (a realidade somos nós que a faremos), tenta por todos os meios distinguir-se dos outros ramos do saber, como se a Economia fosse uma cosmovisão capaz de explicar tudo.
.
Vai ser precisa uma nova "mecânica quântica" da Economia. E uma nova atitude: aceitar a realidade como qualquer cientista, abandonar a mentalidade messiânica ou de político (compete ao político, não ao economista, modificar uma realidade) passar a fazer parte da grande família das ciências sociais. Isto exigirá refazer muita coisa desde os princípios. Mas só assim se será possível ressuscitar a Economia e salva-la do profundo descrédito em que caiu.
.