O governo insiste na avaliação dos funcionários públicos. Mas quer que as chefias fiquem de fora e dá-lhes cinco anos de impunidade. Tudo ao contrário do que devia ser.
O Estado é de todos e não pode andar a escolher. Uma escola não escolhe só alunos inteligentes; um hospital não escolhe só doentes fáceis. Perante o dever de atender a todos, deixa de fazer sentido exigir níveis pré-determinados de eficiência. As crianças de um bairro degradado são difíceis mas têm os mesmos direitos que as outras; e se os médicos forem aperreados (como de facto estão a ser) para verem mais doentes, irão acontecer coisas tristes aos doentes difíceis, aos que justamente precisam de atenção.
Qualquer avaliação mostra desconfiança e leva à duplicidade. Por que razão há-de um professor dar o seu melhor quando andam constantemente a vigia-lo e a medi-lo? Além disso leva a que as pessoas se alheiem do que é importante e façam só o que dá pontos.
O que brilha substitui o ouro. Os médicos passam a preencher formulários e despacham tarefas que contem pouco. Os professores tiram cursos, vão a congressos, fazem tudo o que pontua; mas descuidam os alunos difíceis que dão trabalho sem pontos.
Excepto em tarefas simples e mecânicas, qualquer estímulo ou sanção que se introduza irá afectar a rectidão do colaborador, o qual passa a pautar a sua actuação por critérios alheios aos fins a atingir. E é impossível alinhar estímulos (ou sanções) com objectivos: pôr um preço ao que não tem preço desvaloriza sempre. Nada substitui a confiança, nada compra a abnegação. E sem ambas, a maioria das organizações do Estado é como se não existisse.
Então, será que o Estado está condenado à ineficiência? Não necessariamente. O dever de atender todos leva a que um funcionário consiga encobrir a preguiça ou à venalidade. Tais vícios são o reverso da medalha da confiança e não se pode erradicar uns sem destruir também a outra. Mas vale a pena recordar duas verdades. A primeira é que não há maus subordinados, o que há são maus dirigentes. A segunda é que sempre existirão abusos mas quando combatidos eles diminuem.
Os dois remédios contra a ineficiência na Função Pública são: responsabilizar as chefias e punir os abusos. Um serviço funciona mal? Há queixas fundamentadas e persistentes? Os objectivos não estão a ser cumpridos? Escolha-se outra chefia. Em vez de andar pelos corredores a aterrorizar funcionários, substituam-se os dirigentes. E não se deixam passar abusos.
Chama-se a isto pedir responsabilidades. As responsabilidades pedem-se a quem as tem. Não só aos subordinados: a todos. De resto, o problema do nosso funcionalismo é um problema de chefias: da sua falta de liderança e do seu mau exemplo. São elas quem fomenta o nepotismo ou a partidarização de funções e fazem-no porque gozam de impunidade. Agora o governo vem desresponsabilizar ainda mais as chefias e dar-lhes um longo período de impunidade… renovável. Tudo ao contrário.